Prof. José Pacheco
Há mais de meio século, Élise Freinet colocava a seguinte questão: “como será uma aula onde os alunos não farão, todos ao mesmo tempo, o mesmo? Como regular todo o trabalho escolar?” Élise Freinet tinha consciência da obsolescência da organização do trabalho escolar centrada em aulas dadas para um (inexistente) “aluno médio”, em tempos iguais para todos. Preocupava-se com a imposição de ritmo único a alunos que denotavam diferentes ritmos. Interrogava-se.
Nem será necessário reportarmo-nos à França da primeira metade do século XX. Já em 1898, Augusto Coelho afirmava: “em Portugal, a escola é ainda, em geral, formalista, urge transformá-la num centro de vida e movimento”. Há mais de um século. E em Portugal! Nos nossos dias, este naco de prosa ainda pode ser considerado “ficção científica”…
Nem será necessário reportarmo-nos à França da primeira metade do século XX. Já em 1898, Augusto Coelho afirmava: “em Portugal, a escola é ainda, em geral, formalista, urge transformá-la num centro de vida e movimento”. Há mais de um século. E em Portugal! Nos nossos dias, este naco de prosa ainda pode ser considerado “ficção científica”…
Há muitos anos, a IGE “descobriu” que a maioria das escolas imputavam o insucesso dos alunos à sua origem sociocultural e à falta de formação dos professores (como vemos, o assunto não é novo, pois, muito recentemente, no preâmbulo a uma proposta de normativo sobre a adoção de manuais, o ministério volta a reconhecer a impotência das suas instituições de formação…). No estudo a que me reporto, a IGE confirmou o óbvio. Isto é, que predomina nas nossas escolas o método expositivo, a disposição dos alunos em filas, voltados para o quadro, e que “não é visível a existência de estratégias específicas para potenciar a aprendizagem dos alunos com ritmos mais lentos” (dito em linguagem dura e pura, quem não acompanhar o ritmo do professor, que se desenrasque, que pague a um explicador, ou vá pôr os catraios em escolas especiais).
Concluiu a IGE que as práticas de ensino vigentes beneficiam “alunos que acompanham, sem grandes dificuldades, ritmos intensos de leccionação” e que a preocupação maior é a de preparar os alunos para fazer exames. Era assim, há muitos anos…
E hoje? Quem se preocupa com a impunidade dos que, ano após ano, “põem de lado” os alunos que “não acompanham”? Quem se preocupa com a impunidade dos que se outorgam “o direito de não querer mudar”, quando sabemos que este não querer condena sucessivas gerações de alunos à exclusão? Provavelmente, os adeptos do pensamento único vão desdenhar do que eu escrevo, recorrendo a uma metafísica da legitimação que assenta no inquestionável princípio que diz que a culpa é do sistema, ou das “teorias das ciências da educação”, “teorias” que os habituais detratores não sabem dizer quais sejam, ou onde tenham tradução prática.
Num ponto têm razão nos seus comentários: muitas escolas não dão resposta à diferença, porque (coitados!) “os professores não podem ocupar-se do resto da turma, se o deficiente estiver a estorvar”… Não passa pelas cabeças dessas pessoas que haja outros modos de organizar o trabalho escolar?
Não se trata de encaixar um “deficiente” (eu não utilizo esta denominação, mas é assim que os tratam) numa turma, para reduzir o número de alunos dessa turma, ou para produzir caricaturas de inclusão. A forma como muitas escolas se organizam não permite, efetivamente, a resposta aos diferentes. E nos diferentes eu incluo os que, não tendo sinais exteriores de “deficiência”, completam a escolaridade básica sem aproveitamento e vão engrossar as fileiras dos desqualificados e da mão-de-obra barata.
Para que se concretize a inclusão é indispensável a alteração do modo como muitas escolas estão organizadas. Para que a inclusão passe a ser mais do que um enfeite de teses, será preciso interrogar práticas educativas dominantes e hegemônicas. Será preciso reconfigurar as escolas.
No passado, como nos nossos dias, há escolas cativas de vícios e ancoradas em práticas obsoletas, geradoras de insucesso. Há mais de um século, como hoje, há professores que se interrogam e tentam melhorar as escolas. Mas há, também, dadores de aulas que recusam interrogações e que impedem que as escolas melhorem.
Quando serão postos em prática os princípios de escola inclusiva enunciados, há dez anos, na Conferência de Salamanca? Quando se deixará de centrar o problema no aluno, para o centrar numa gestão diversificada do currículo? Quando cessará a intervenção do especialista, num canto da sala de aula, e se integrará o especialista numa equipa de projeto? Quando se concretizará uma efetiva diversificação das aprendizagens, que tenha por referência uma política de direitos humanos, que garanta oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos?
Por muito que isso desespere os adeptos do pensamento único, eu sei que é possível concretizar a utopia de uma escola que dê garantias de acesso e de sucesso a todos (e com excelência acadêmica!). E sei (como outros sabem) que isso é possível… na prática! Sabemos que há muitos professores conscientes da falência do tradicional modelo de organização e de que urge reconfigurar as escolas. Quantos professores eu conheço capazes de desconstruir estereótipos e de operar essa reconfiguração!
Perguntar-se-á, então: O que impede que o façam? Por que não mudam as escolas?
Marina S. R. Almeida
Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar
Neuropsicóloga, Psicopedagoga e Pedagoga Especialista
Nenhum comentário:
Postar um comentário