Margareth Rios,
estudante baiana, perdeu totalmente a visão após um AVC.
Margareth Santos Reis é uma jovem de
23 anos, moradora do bairro de Alto de Coutos, subúrbio ferroviário de Salvador.
Há cinco anos, a estudante do 3º ano do ensino médio perdeu a visão por conta
de um problema de saúde, mas, mesmo com a dificuldade, a caçula de seis irmãos
nunca abriu mão do que mais gosta, cuidar da vaidade.
"Eu gosto de estar sempre bem
arrumada, não abaixo a cabeça para ninguém. Hoje, eu não enxergo, mas quem não
enxerga sou eu, não é? Nós não temos que ter vergonha do mundo, porque a
cegueira não vem só para as pessoas que são cegas, está aí no mundo", diz
Maga, coA "desacreditada pelos médicos" que encarou a cegueira após
um Acidente Vascular Cerebral (AVC) na juventude abriu a sua casa - ou melhor,
o quarto - para celebrar com o G1 o Dia da Mulher neste 8 de
março, sexta-feira.
A vaidade, conta, foi primeiro
estimulada pela paixão de adolescência. Aos 12 anos, ela precisava se arrumar
para que o ex-namorado, então paquera, a visse na rua. “Deu certo, a gente
namorou, ele foi o amor de minha vida até os 15 anos”, lembra, brincando.
Depois disso, andar arrumada virou costume. “Quando ia para o colégio, ainda
quando enxergava, me maquiava toda. Minha mãe dizia que eu não ia para o
colégio, dizia que eu ia para o shopping", conta Maga.
Sim, ela teve de se readaptar ao
mundo depois que perdeu a visão. No entanto, ela acredita que passar por um AVC
e se recuperar de um coma "tinha que acontecer". Ela não podia se
entregar, refere-se. “Eu tive uma dor de cabeça em 2007, que os médicos
não conseguiam identificar o motivo. A dor não passava, era muito chata,
insuportável mesmo. Fui ao hospital, fiz tomografia e foi constatado que estava
com hemorragia no cérebro. Não passava, só passava com remédios via soro”,
recorda.mo é conhecida, com muito bom humor.
Margareth
precisou ficar 10 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral
do Estado (HGE). “Na UTI, eu escutava o médico falando para minha mãe que eu
não tinha mais jeito, que eu não estava mais ali, que apenas o meu coração
batia. Estava ouvindo, mas não tinha como dar sinal de vida. Minha mãe começou
a entrar em pânico, foi horrível”, relata.
Ao acordar do coma, ela foi diagnosticada com aneurisma, que
deixou o lado esquerdo do seu corpo sem os movimentos e, em seguida, acarretou
a perda total da visão nos dois olhos. “Lembro que minha tia chegou até mim e
eu perguntei: cadê você? Eu dizia que não a via e ela disse que a face dela
estava na frente da minha. Aí os médicos detectaram que eu estava cega”, conta.
Em busca da independência
Depois de quase dois anos em casa tentando “compreender” a nova condição, no
ano de 2009 a jovem decidiu reconquistar a independência e, desde então, passou
a participar do CAP, o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas
com Deficiência Visual. “Não é que eu não aceitava a cegueira, eu não entendia,
era complicado. Queria a minha independência de volta. Sempre fui muito vaidosa
e, naquela época, minhas irmãs me davam banho, me arrumavam e faziam uma trança
horrível em meus cabelos, eu odiava aquilo”, brinca.
Ela fez aulas para aprender a se locomover, a executar tarefas
domésticas, a cantar no coral e encenar no teatro, o que a levou a viajar para
outras cidades do país. Com a experiência, diz que aprendeu também a levar
"na esportiva" o preconceito social em relação aos cegos.
“Não abandonei minha vaidade, minha alegria, nada por conta da
cegueira. As pessoas na rua me olham bastante, porque eu ando muito arrumada.
Quando vou tomar uma cervejinha, coloco um shortinho, um salto, até porque eu
amo um salto, me sinto 'a própria' no salto. Isso, às vezes, gera preconceito,
as pessoas acham que a pessoa cega tem que usar uma sandalinha rasteira, uma
roupinha simples; se você estiver ‘chique’ as pessoas não acham que você é
cega. Muitas pessoas acham que a pessoa cega tem que andar suja, fedendo, mal
arrumada. Acho que as pessoas estão acostumadas com isso, porque tem cego que
não liga para isso”, avalia.
Vaidosa, sempre
A data que homenageia as mulheres vai ser comemorada como gosta, ao lado dos
amigos. "É o meu dia, vou me achar mais ainda", alegra-se ela, que
comprou roupa nova para o evento. "Fui mulher, criança, cresci, perdi a
visão, hoje tenho 23 anos, e sou essa pessoa, nunca me modifiquei. Neste dia da
mulher, quero dizer às mulheres, cegas ou videntes, que nós temos que encarar a
vida do jeito que ela é”, afirma.
Ela se arruma em frente ao espelho e identifica a roupa que quer
no armário ao toque. Moradora do subúrbio soteropolitano, a jovem aponta que
apenas um "problema" é causado pela vaidade, o ciúme gerado nos
namorados. "Eu já tive namorados videntes e cegos. É engraçado porque o
último, por exemplo, tinha tanto ciúmes que o relacionamento acabou. Ele era
cego, mas não totalmente, tinha visão baixa. Eu vivia questionando ele: 'por
que eu, que não enxergo, não tinha ciúmes? Logo ele, que ainda conseguia ver
algo, tinha? Me divertia com isso”, comenta.
Para Margareth, ser vaidosa não é colocar uma maquiagem no rosto
ou andar na moda, como retrata, mas é uma "postura". “Vem de dentro,
é uma postura mesmo. Não é porque hoje eu sou cega que vou deixar minha
vaidade, o que eu sou. Eu gosto que as pessoas vejam isso em mim. Eu amo quando
as pessoas me elogiam”, conta.
Compartilhando autoestima
A segurança que impõe não é dividida por todos os seus colegas, principalmente
os amigos que são cegos. Ela relembra um episódio há cerca de quatro anos, assim
que ela ingressou no CAP e conheceu melhor a realidade dos deficientes visuais.
"Eu não enxergo, mas tenho percepção muito grande. Logo no
começo, conversava e percebia que as pessoas andavam com a cabeça baixa. Eu
perguntava o motivo pelo qual as pessoas andavam de cabeça baixa, eles falavam
que era costume. Eu dizia que eu não queria andar com a cabeça baixa, expliquei
a eles que andar com a cabeça baixa significa ter vergonha do mundo. Temos que
mostrar ao mundo que somos pessoas normais, como qualquer outra. A pessoa cega
é capaz de tudo, só depende da pessoa. Eu estudo, este ano ainda vou cursar
minha faculdade, já fiz cursos, como todo mundo", afirma.
E continua, com discurso solto. “A gente tem que lembrar sempre
de mostrar aos homens que as mulheres têm a mesma capacidade que eles têm.
Mostrar para as pessoas a capacidade que cada uma tem. Muitas pessoas não dão
importância para a mulher cega, mas estamos quebrando esse preconceito com a
ajuda da própria sociedade, dos que nos respeitam. No inicio, achei que ninguém
ia olhar mais pra mim, ia conversar comigo. Mas não larguei de ser mulher e
vaidosa do jeito que eu sou. Acho que isso é o que importa. Um feliz dia das
mulheres para todas as mulheres do Brasil, cegas e videntes”, despede-se.
http://g1.globo.com/bahia/noticia/2013/03/cega-por-acaso-jovem-de-23-anos-fala-sobre-vaidade-no-dia-da-mulher.html
Depois de quase dois anos em casa tentando “compreender” a nova condição, no ano de 2009 a jovem decidiu reconquistar a independência e, desde então, passou a participar do CAP, o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual. “Não é que eu não aceitava a cegueira, eu não entendia, era complicado. Queria a minha independência de volta. Sempre fui muito vaidosa e, naquela época, minhas irmãs me davam banho, me arrumavam e faziam uma trança horrível em meus cabelos, eu odiava aquilo”, brinca.
A data que homenageia as mulheres vai ser comemorada como gosta, ao lado dos amigos. "É o meu dia, vou me achar mais ainda", alegra-se ela, que comprou roupa nova para o evento. "Fui mulher, criança, cresci, perdi a visão, hoje tenho 23 anos, e sou essa pessoa, nunca me modifiquei. Neste dia da mulher, quero dizer às mulheres, cegas ou videntes, que nós temos que encarar a vida do jeito que ela é”, afirma.
A segurança que impõe não é dividida por todos os seus colegas, principalmente os amigos que são cegos. Ela relembra um episódio há cerca de quatro anos, assim que ela ingressou no CAP e conheceu melhor a realidade dos deficientes visuais.
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