Por Lucio Carvalho *
A universalização do atendimento escolar, preconizada como a segunda grande diretriz do Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, enviado ao Congresso Nacional em fins de dezembro (15/12) pelo Ministro Fernando Haddad, do MEC, enfrenta desde já um importante desafio pelo menos no que se refere à educação especial. Caberá aos deputados federais eleitos, que assumem suas funções em 1º de fevereiro de 2010, conhecer, analisar e decidir pelo PNE e também sobre proposta de Decreto Legislativo que visa anular a aplicação de regulamentação proposta pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no que diz respeito à matrícula de estudantes com deficiência nas classes comuns do ensino regular.
É o que pretende o PDC-2846/2010 ,
de autoria do Deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG) que também é
presidente da FENAPAES, Federação Nacional das APAES (Associações de
Pais e Amigos dos Excepcionais). Barbosa alega a inconstitucionalidade
da Resolução 4/10 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CBE/CNE) e propõe anular o artigo da resolução que trata do
caráter complementar e/ou suplementar do atendimento educacional
especializado, justificando que alunos com deficiência possam receber
exclusivamente a educação oferecida pelas escolas especiais, deixando de
frequentar o espaço comum das escolas regulares, tendo em vista que o
projeto de decreto visa tão somente a suspensão do efeito da norma
expedida pelo CNE e publicada pelo Ministro Fernando Haddad em julho de
2010 e a obrigatoriedade dos sistemas de ensino em matricular alunos com
deficiência.
A principal barreira legal que o projeto do Deputado Barbosa vai
encontrar pelo caminho é a legislação federal atual, que incorporou com
força de emenda constitucional a Convenção sobre os Direitos da Pessoa
com Deficiência e que assegura, em seu Art. 24, um sistema educacional
inclusivo em todos os níveis e prevê que todos os apoios necessários
sejam dirigidos a inclusão plena dos indivíduos na sociedade. A proposta
ainda impacta o desejo da Conferência Nacional de Educação (CONAE) que
confirmou em abril de 2010 o sentido de universalização a partir da
instituição de uma escola unificada.
Avanço nas matrículas e na qualificação
O último ano foi o segundo em que o número de alunos com deficiência
matriculados em classes comuns do ensino regular superou as matrículas
em escolas especiais. De acordo com o Censo Escolar 2010, o número de
alunos com deficiência matriculados em todos os sistemas de ensino
aumentou cerca de 10% e, segundo o INEP, isso resulta de uma maior
presença social através do desenvolvimento da educação inclusiva. Por
todo o país, dezenas de cursos envolvendo professores e gestores na área
de educação aconteceram no sentido de qualificar a escola comum como um
espaço efetivamente democrático e capaz de atender às diferenças
inerentes a população de alunos, seja através dos poderes públicos
municipais e estaduais como no meio universitário, atingindo novos
profissionais da educação. Muitas escolas especiais, inclusive algumas
APAES, redimensionaram sua forma de atendimento e passaram a atuar em
regime de colaboração com a escola regular. Elas oferecem, no
contraturno, o atendimento educacional especializado (AEE), que é um
serviço disponibilizado aos alunos com deficiência também pelas próprias
escolas e constitui a base da Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, sustentada pelo MEC e recentemente
regulamentada pelo CNE.
Resistências não são novidade
Não são exatamente novidade as resistências em torno da atual
política de inclusão. Além das escolas especiais, que vêem seus recursos
ameaçados e seus serviços com uma clientela cada vez menor, também
muitas escolas particulares ainda rejeitam essa nova perspectiva de
atendimento. Mesmo sendo integrantes do sistema geral de ensino e
obrigadas a cumprir a legislação educacional em vigor, ainda são muito
frequentes situações de constrangimento às famílias de crianças com
deficiência que encontram dificuldade inclusive para matricular seus
filhos e imposições contratuais desiguais, como obrigações de pagamentos
adicionais e outras necessidades específicas negociadas em particular.
Sob o pretexto de aumentar custos em decorrência de necessidades não
habituais, cria-se um espírito de animosidade que vai encontrar solução
muitas vezes judicialmente. O judiciário, por sua vez, ainda vem
assimilando os valores expressos na nova ordem constitucional sobre o
tema e o resultado disso são prejuízos desnecessário à população, que
apenas quer ver cumpridos os seus direitos. As decisões judiciais,
entretanto, cada vez mais tem favorecido aos cidadãos e também o
Ministério Público tem agido como indutor de políticas públicas,
orientando e fiscalizando tanto escolas públicas quanto privadas, em
todas as modalidades de ensino.
No legislativo, o tema tem sido objeto de disputa e debates há pelo
menos dez anos, desde que o MEC assumiu posição em prol da educação
inclusiva e despertou a reação das escolas especiais, principalmente
através da FENAPAES. Desde então, o debate ganhou importância na
comunidade escolar, no meio acadêmico e também na cobertura
jornalística, escapando do discurso especializado e ganhando relevância
na sociedade de um modo geral. Em dezembro, o Senado Federal promoveu o
6º Fórum Senado Debate Brasil, com o objetivo de capacitar os agentes
legislativos a observar e efetivar os princípios propostos na Convenção
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Resta saber se o
legislativo que irá tomar posse em fevereiro próximo irá acompanhar a
vontade pública expressa na CONAE e no PNE e respeitar a hierarquia
legal em vigor no Brasil ou se irá prevalecer o desejo de quem quer
voltar atrás na implementação da educação inclusiva, abrindo brechas
para que crianças com deficiência e suas famílias voltem a submeter-se à
exclusão precoce do convívio social escolar e alijando-as do direito
indisponível à educação e participação plena na sociedade.
* Coordenador da revista digital Inclusive: inclusão e cidadania (www.inclusive.org.br)
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