21 de setembro..
O escritório recém-inaugurado é daqueles para gente jovem. Sem divisórias, com mesas comunitárias com posições plug & play para notebooks, encanamentos à mostra e salas envidraçadas do chão ao teto. Os gestores do espaço se entreolham. Há um certo corre-corre para resolver a questão inesperada. Uma pessoa com deficiência física pede para usar o banheiro.
Na primeira tentativa, já está claro que a cadeira não vai passar pela porta. Um telefonema para a administração predial aumenta o constrangimento. A informação é de que a maioria dos escritórios do edifício são assim. Provavelmente há um toilette adaptado no prédio. Mas se encontra muitos andares abaixo e, ainda assim, é preciso confirmar.
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Naquele ambiente moderno e descolado, esqueceram de pensar na acessibilidade.
"O constrangimento só ocorreu por causa da minha presença física", relembra Rodrigo Hübner Mendes, protagonista do episódio. "Muitas vezes, é o contato pessoal que faz com que as dificuldades para a inclusão sejam percebidas. Com o tempo, é preciso que o clima desconfortável se transforme na percepção de que devemos promover mudanças".
Tetraplégico desde a juventude em razão de um acidente, Rodrigo é referência, no Brasil e no exterior, no debate sobre inclusão. À frente do Instituto que leva seu nome, é um professor bem paciente – inclusive com as perguntas leigas deste jornalista – para falar sobre o que cada um pode fazer para que a sociedade seja mais acolhedora para todos. O tema é oportuno para esse dia 21 de setembro, Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.
(Parênteses linguístico da amiga jornalista Beatriz Vichessi: os termos "deficiente" e "portador de deficiência" são considerados inadequados, pois resumem o indivíduo à deficiência. O termo escolhido por diversas organizações, entre elas a ONU, é "pessoa com deficiência").
A visão sobre a deficiência está mudando. Para quem não vivencia essa condição todo dia, as histórias de superação, sobretudo as esportivas, exemplificam a rota para "vencer o problema" (aspas necessárias, pois estamos no terreno da colaboração e não da competição, encarando uma condição e não um problema).
"Essa é uma conceituação que considera a deficiência como um problema individual, resultante de uma limitação clínica que necessita apenas do esforço pessoal para ser superada. Podemos nos emocionar com essas histórias, mas hoje já enxergamos a questão com outros olhos", diz Rodrigo.
O grande marco da virada foi a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, escrito em 2006 e incorporado à legislação brasileira dois anos depois, com status de emenda constitucional. A transformação em lei abriu oportunidades gigantescas relacionadas à melhoria da vida de 24 milhões de brasileiros com deficiência, segundo o IBGE. Indicou que a responsabilidade pela tarefa é de todos. O documento afirma que a deficiência é um conceito em evolução. Em vez de uma limitação individual, o entendimento hoje aceito é que ela resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras que impedem a participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais.
Que barreiras são essas? As mais visíveis se encontram no ambiente. O caso descrito no abertura deste texto é um exemplo, e não dos mais escabrosos. Os obstáculos às pessoas com deficiência, sejam físicas ou intelectuais, estão por todas as partes. Por aqui mesmo já publiquei a história da"rampa rumo ao nada" na cidade de Sacramento, MG. Mas há barreiras nos meios de comunicação, na rede de transporte, nas metodologias escolares.
E em nossas atitudes (e olha que nem vou falar sobre quem estaciona em vagas para pessoas com deficiência…).
Em sã consciência, não há quem se diga contra a inclusão. Mas, quando o assunto bate à porta, começam a surgir as contrariedades. A escola é palco de algumas delas. Sobretudo em casos de deficiência intelectual, pode ser difícil encontrar vagas em escolas (embora negar matrícula a aluno com deficiência seja crime punível com até 4 anos de prisão) e as adaptações necessárias para que a criança se integre.
"Acho que a resistência deriva da sensação de impotência de um determinado grupo – no caso, os professores – quando falta apoio e repertório para dar conta dessa nova realidade que são salas de aula mais heterogêneas", afirma Rodrigo. Novamente, o caminho não é mirar a deficiência, mas atacar os obstáculos que impedem a inclusão. É possível, por exemplo, lutar por oferta de formação aos docentes, planejamento didático para cada novo aluno e mais recursos do poder público. "Quando isso acontece, fica nítida a redução das resistências. Percebo a satisfação dos professores quando crescem profissionalmente e conseguem aprimorar seu fazer pedagógico ao atender bem as crianças com deficiência."
Tanto melhor se a busca por melhoria for feita em grupo. Uma pessoa isoladamente pode batalhar para resolver situações especificas, mas a transformação verdadeira só virá com ações coletivas e políticas públicas para todos. Isso é o suficiente para "vencer" a deficiência? Não – e nem é essa a ambição. "O impedimento clínico continua presente, mas o indivíduo vai ganhando autonomia à medida que que as barreiras vão sendo desconstruídas", finaliza Rodrigo. A sociedade se aprimora ao contemplar a diversidade de condições humanas.
Rodrigo Ratier